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Anayde Beiriz:."PANTHERA DOS OLHOS DORMENTES"




“ Paixão e morte na Revolução de 1930”
COADJUVANTES DA HISTÓRIA

A história oficial que todos conhecem normalmente se concentra nos fatos principais e nos personagens mais relevantes. Porém sempre existem aqueles personagens que agem nos bastidores e que não se destacam no primeiro plano dos fatos, mas sua presença e ações acabam influenciando de forma indelével o rumo da história. Normalmente por injustiça ou simplesmente por um excesso de simplificação dos fatos históricos, estes personagens acabam sendo desconhecidos da maioria das pessoas.E nesta categoria de coadjuvantes da história oficial, as mulheres são presença garantida. Muitas vezes a sua presença acaba mudando a história. Foi por causa de Ana Bolena que Henrique VIII rompeu com a igreja católica e implantou o anglicanismo na Inglaterra, só para citar um exemplo.E na nossa história temos algumas mulheres interessantes, que estiveram ao lado de personagens poderosos ou participaram ativamente da história, sem serem devidamente lembradas. Anita Garibaldi, Ana Nery, Maria Quitéria, Xica da Silva, Marquesa dos Santos, entre outras.Na história do Brasil do século XX, uma mulher acabou envolvida com personagens que sairiam da vida para entrar na história, e os fatos que vivenciaram culminaram com a “Revolução de 30”, a qual mudou a história do Brasil por completo. Seu nome era Anayde Beiriz.A paraibana Anayde Beiriz nasceu em 18 de fevereiro de 1905. Durante os estudos, acabou se destacando nos mesmos. Formou-se na Escola Normal no início dos anos 20 e passou a ensinar para pescadores da então vila de Cabedelo.Anayde era uma bela mulher, tanto que ganha um concurso de beleza promovido em 1925 pelo Correio da Manhã. Mas o que chamava a atenção eram os seus olhos negros, os quais lhe valeram a alcunha, entre os amigos, de “pantera dos olhos dormentes”. Se considerarmos a mentalidade conservadora da sociedade brasileira à época, especialmente a paraibana, Anayde não era bem vista devido a suas idéias progressistas. Ela estava envolvida em movimentos artísticos, pois era poetisa e freqüentava saraus literários, defendia a participação das mulheres na política em uma época que elas sequer podiam votar. Também ousava pelas roupas que usava, abusando de decotes, e pelo corte de cabelo, “a lá garçonne”. Não era afeita as convenções no que tange a relacionamentos amorosos. E foi um destes relacionamentos que a fez entrar para a história.
O AMOR EM TEMPOS DE CÓLERAEm 1928, ela começa um relacionamento amoroso com o advogado João Dantas. Este está envolvido na política local, e sua família estava alinhada com os Suassuna. Era um “perrepista”, os assim chamados àqueles que apoiavam o Partido Republicano e a candidatura oficial do governo. Com o conflito entre liberais e perrepistas se acirrando após as eleições e as escaramuças na cidade de Princesa, o advogado acaba se refugiando em Recife, mantendo o relacionamento com Anayde à distância, através de cartas.João Pessoa, acuado pelos adversários, reage e manda revistar as casas dos revoltosos e suspeitos, em busca de armas que poderiam ser utilizadas em uma revolta armada. Uma destas casas foi o apartamento do advogado João Dantas na capital da Paraíba, a época também chamada Paraíba. A Polícia invade o misto de escritório e morada do advogado em 10 de julho de 1930. Não são encontradas armas, mas durante a invasão, os policiais destroem o escritório e arrombam o cofre. Lá encontram a correspondência de Dantas, incluindo as cartas e poemas de amor entre ele e Anayde.Neste ponto há uma controvérsia, pois se tornou comum nos livros de história afirmar que esta correspondência teria sido publicada no jornal do governo estadual, A União. Alguns afirmam que isso não ocorreu, mas que as cartas teriam circulado de mão em mão. De qualquer forma, o teor altamente escandaloso dos poemas e cartas tornou-se de conhecimento público, causando escândalo.
Sentindo-se ferido em sua honra, João Dantas quis lavá-la com sangue. E o fez. No dia 26 de julho, quando João Pessoa estava na Confeitaria Glória, em Recife, João Dantas, acompanhado de um cunhado Augusto Caldas, entra e dispara contra o peito do Presidente da Paraíba. A morte de João Pessoa causa comoção geral na Paraíba e no país, e é o estopim que desencadeia o levante dos revoltosos, que se rebelam em definitivo em outubro, pouco antes da posse de Júlio Prestes. Um mês depois, Getúlio se estabelece como Presidente, a princípio provisoriamente, mas ele estaria presente na vida pública em dois mandatos presidenciais, e sairia apenas quando morto, em agosto de 1950. Na Paraíba, a capital é renomeada para o atual nome de João Pessoa, e a bandeira se inspira no “Nego”, adotando a expressão, além das cores vermelha e negra, representando o sangue e o luto, respectivamente.
Já Anayde se sentiu acuada após o assassinato de João Pessoa, pois todos a perseguiam por razões morais e políticas. Ela abandona sua casa e vai morar em um abrigo na cidade de recife. Lá passa a visitar João Dantas, preso imediatamente após o crime. Este é achado morto nos primeiros dias da Revolução, supostamente por suicídio, mas em circunstâncias pouco claras. A própria Anayde é encontrada morta em 22 de outubro daquele ano, supostamente por envenenamento, sendo enterrada como indigente no cemitério de Santo Amaro.A memória de Anayde foi resgatada principalmente após a publicação do livro de José Jofilly, intitulado “Anayde – Paixão e Morte na revolução de 30”. Em 1983 Tizuka Yamasaki dirige o filme “Paraíba Mulher Macho”, no qual procura contar a história da Revolução de 30 sob a ótica do caso João Dantas e Anayde Beiriz.
UM LIVRO CONTESTA A HISTÓRIA
Aproveitando o centenário de nascimento da poetisa, o médico e escritor Marcus Aranha lançou a poucos dias o livro “Anayde Beiriz – Panthera dos Olhos Dormentes”. O enfoque deste livro, ao contrário do livro de José Joffily, não são os fatos históricos da Revolução de 30. De fato, o médico traz novos fatos sobre a vida amorosa de Anayde, e polemiza ao afirmar que o grande amor de Anayde não teria sido João Dantas, e sim o jovem estudante de medicina Heriberto Paiva, que posteriormente teria se tornado oficial da Marinha. Para escrever este livro, o autor utilizou-se de trechos do diário de Anayde, cartas, documentos pessoais, alguns inéditos, material fornecido por familiares da poetisa e professora.
Ao se ler a correspondência de Anayde, pode se ter uma idéia da personalidade daquela mulher, um misto de romantismo e ousadia. Abaixo transcrevemos um trecho de uma carta enviada a Heriberto Paiva, a quem ela chamava carinhosamente de “Hery”.
“(...) O amor que não se sente capaz de um sacrifício não é amor; será, quando muito, desejo grosseiro, expressão bestial dos instintos, incontinência desvairada dos sentido, que morre com o objetivar-te, sem lograr atingir aquela atura onde a vida se torna um enlevo, um doce arrebatamento, a transfiguração estética da realidade... E eu não quero amar, não quero ser amada assim... Porque quando tudo estivesse findo, quando o desejo morresse, em nós só ficaria o tédio; nem a saudade faria reviver em nossos corações a lembrança dos dias findos, dos dias de volúpia de gozo efêmero, que na nossa febre de amor sensual tínhamos sonhado eternos.
Mas não me julgues por isto diferente das outras mulheres; há, em todas nós, o mesmo instinto, a mesma animalidade primitiva, desenfreada, numas, pela grosseria e desregramento dos apetites; contida, nobremente, em outras, pelas forças vitoriosas da inteligência, da vontade, superiormente dirigida pela delicadeza inata dos sentimento ou pelo poder selético e dignificador da cultura.
Não amamos num homem apenas a plástica ou o espírito: amamos o todo. Sim, meu Hery, nós, as mulheres, não temos meio termo no amor; não amamos as linhas, as formas, o espírito ou essa alguma coisa de indefinível que arrasta vocês, homens, para um ente cuja posse é para vocês um sonho ou raia às lides do impossível. Não, meu Hery, não é assim que as mulheres amam. Amam na plenitude do ser e nesse sentimento concentram, por vezes, todas as forças da sua individualidade física ou moral.
É pois assim que eu te amo, querido; e porque te amo, sinto-me capaz de esperar e de pedir-te que sejas paciente. O tempo passa lento, mas passa...
...E porque ele passa, e porque a noite já vai alta, é-me preciso terminar.
Adeus. Beija-te longamente, Anayde”
PARA SABER MAIS Além do livro de José Jofilly e do novo livro de Marcus Aranha, também foi lançada a biografia de João Dantas há poucos anos. E, em João Pessoa, estão sendo promovidos eventos e exposições em comemoração ao centenário de Anayde. A casa da poetisa, onde atualmente funciona uma cantina, foi tombada pelo patrimônio histórico desde 2002, graças a iniciativa de pesquisadores.

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