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Simone Nua & Crua



















Simone de Beauvoir 1950


A foto de Simone de Beauvoir nua, publicada na capa da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, de 30 de maio passado, mexeu comigo. Deve ter mexido com muita gente. Afinal é a foto da musa existencialista, do ícone feminista, da autora de O Segundo Sexo, “da bíblia feminista”, da parceira e “mulher” de Sartre.É estranho ver Simone de Beauvoir nua, como playgirl, coelhinha da Playboy, em um banheiro, prendendo o cabelo, de costas para a câmera. Bonnard teria adorado. Fazia seu gênero. Mulher nua no banheiro. A foto foi tirada em 1950 por Art Shay, fotógrafo norte-americano. Revela que o fotógrafo privava da intimidade de Simone. Para ela foi uma molecagem, uma travessura de Art. Simone estava com 42 anos. Já tinha escrito O Segundo Sexo e se apaixonado por outro americano, o jornalista e escritor Nelson Algren.A reação que tive ao vê-la foi totalmente diferente quando vi na parede as fotos de Catherine. Nua. De costas, de frente, de lado, de pé, sentada, deitada. Tiradas por Jacques Henric, seu marido, escritor e fotógrafo. Não me surpreendi.
Catherine é uma intelectual. Crítica de arte, diretora de redação da revista Art Press, foi curadora da delegação francesa na 20ª Bienal de São Paulo, em 89. Doze anos depois, em 2001, seu livro, A vida sexual de Catherine M. com ela nua, sentada, de costas, mão no cabelo, belíssima foto de Henric, na capa, foi o escândalo literário do ano. Não pela foto, pelo texto. Penso nas duas fotos, no livro de Catherine e não posso deixar de refletir sobre o existencialismo praticado por Simone e Sartre e Catherine e Henric. Embora tenham pontos em comum diferem em gênero, número e grau. É claro que o tempo de Simone e o tempo de Catherine são diferentes. Simone enfrentou o radicalismo e o reacionarismo da sociedade burguesa francesa, nos anos 30, 40, 50 e depois. Catherine está mais próxima dos nossos dias.
A experiência existencial vivida por ela, com a anuência e participação de Henrie, sua determinação em fazer de seu corpo o que quisesse, entregando-se entre quatro paredes e nos bosques de Boulogne, de Vincennes e outros espaços públicos, a centenas de homens, a maioria desconhecida, em termos existenciais reduz brutalmente a de Simone e de Sartre. À medida que tomei conhecimento da vida amorosa e sexual de Sartre e Simone, dos envolvimentos de ambos, da bissexualidade dela, a impressão que tive foi de déjà vu. O fantasma de Laclos e de Les Liaisons dangereuses, As Relações perigosas, pairava sobre os dois. O de Sade também. O de von Sacher-Masoch, idem.
Às vezes, depois de ter lido O Segundo Sexo nos anos 50, me perguntava até que ponto a atitude de Sartre e Simone com relação ao sexo correspondia de verdade ao que sentiam.A resposta no que toca a Simone só encontrei 50 anos depois ao ler as cartas que escreveu ao escritor norte-americano Nelson Algren. Un amour transatlantique – Lettres a Nelson Algren 1947 – 1967, Gallimard 1997, Cartas a Nelson Algren: um amor transatlântico 1947 1967, publicado pela Nova Fronteira em 2000, revela uma Simone contraditória, paradoxal. As idéias da Simone das cartas não têm nada a ver com as da Simone de O Segundo Sexo. Estão de modo geral em completo desacordo com as idéias desenvolvidas e defendidas em o Segundo Sexo, publicado em 1949, na França, nos Estados Unidos em 53, no Brasil em 60, pela Edel. Tradução de Sérgio Millet.A reação das feministas e fãs de Simone às cartas, na França e no mundo, de modo geral, foi a pior possível. Era inacreditável e inadmissível que o modelo existencialista se revelasse uma “mulherzinha” apaixonada, totalmente submissa ao homem amado.
Nas cartas Simone se entrega de corpo e alma a Algren. Não se peja de confessar o seu amor e de repetir clichês amorosos como, “eu sinto muito sua falta, de suas mãos, de seu corpo quente e forte, seu rosto, seu sorriso, sua voz; sinto terrivelmente sua falta”, “quero serví-lo como uma árabe”,” esperá-lo com o jantar pronto, tirar o seu sapato, colocar os chinelos”,” eu serei sua para sempre”, terminando romântica como Julieta declarando seu desejo de “morrer um nos braços do outro”.Infelizmente as respostas de Algren não foram publicadas. O escritor americano, autor de O Homem de Braço de Ouro, de 1949, National Book Award de 1950, base para o filme homônimo de Otto Preminger, de 1956, com Frank Sinatra, Eleanor Parke e Kim Novak, jamais admitiu o romance.Algren conheceu Simone em Chicago em 1947. Simone estava nos Estados Unidos para uma série de palestras. Sua indicação para ciceronar Sinome é estranha. Talvez seu interesse por Marx justifique. Não falava francês. Simone falava inglês. Entenderam-se. Tão bem que acabaram na cama. Apaixonaram-se. As cartas que Simone escreveu durante 20 anos deixam isso evidente. Se Algren morasse em Paris, Sartre seria sem dúvida descartado. Algren não admitia o triângulo. Embora escrevesse sobre o submundo de Chicago, prostitutas, cafetões, traficantes de drogas, viciados, corruptos, era certinho. Irritado com a recusa de Simone em mudar-se para os Estados Unidos, fez questão absoluta de negar até sua morte aos 72 anos, em 1981, qualquer envolvimento. Os responsáveis por sua obra não permitem a publicação de suas cartas a Simone, pois isso iria no mínimo demonstrar que a recusa em admitir o romance, não passou de birra, de mágoa. Mas, mais dia menos dia essas cartas serão publicadas. Sem dúvida, surpreenderão.
Eis aqui meu encontro com o gênero e a temática mulher.....Busca constante no meu caminhar histórico...Simone sempre fui minha grande mentora nesse processo.

1 comentários:

Nanda disse...

Beauvoir tem sido para mim ultimamente assunto frequente de discussão de descoberta pessoal.. por isso o seu artigo me chamou tanta atenção... Obrigada por tê-lo feito. Abraços ternos.